... este é o centenário de morte escritor, sociólogo, repórter jornalístico, historiador e engenheiro brasileiro
Euclides da Cunha...
♦♦♦
Para conhecer mais: http://www.euclides.site.br.com/
♦♦♦
COMPARAÇÃO
"Eu sou fraca e pequena..."
Tu me disseste um dia.
E em teu lábio sorria
Uma dor tão serena,
Que em mim se refletia
Amargamente amena,
A encantadora pena
Quem em teus olhos fulgia.
Mas esta mágoa, o tê-la
É um engano profundo.
Faze por esquecê-la:
Dos céus azuis ao fundo
É bem pequena a estrela...
E no entretanto _ é um mundo!
[1884]
♦♦♦
A FLOR DO CÁRCERE [Publicado na "Revista da Família Acadêmica", número 1, Rio de Janeiro, novembro de
1887.]
Nascera ali _ no limo viridente
Dos muros da prisão _ como uma esmola
Da natureza a um coração que estiola _
Aquela flor imaculada e olente...
E 'ele' que fora um bruto, e vil descrente,
Quanta vez, numa prece, ungido, cola
O lábio seco, na úmida corola
Daquela flor alvíssima e silente!...
E _ ele _ que sofre e para a dor existe _
Quantas vezes no peito o pranto estanca!...
Quantas vezes na veia a febre acalma,
Fitando aquela flor tão pura e triste!...
_ Aquela estrela perfumada e branca,
Que cintila na noite de sua alma...
[1884?]
♦♦♦
RIMAS
Ontem _ quando, soberba, escarnecias
Dessa minha paixão _ louca _ suprema
E no teu lábio, essa rósea algema,
A minha vida _ gélida _ prendias...
Eu meditava em loucas utopias,
Tentava resolver grave problema...
_ Como engastar tua alma num poema?
E eu não chorava quanto tu te rias...
Hoje, que vivo desse amor ansioso
E és minha _ és minha, extraordinária sorte,
Hoje eu sou triste sendo tão ditoso!
E tremo e choro _ pressentindo _ forte _,
Vibrar, dentro em meu peito, fervoroso,
Esse excesso de vida _ que é a morte...
[1885]
♦♦♦
FRAGMENTOS DE POESIA [Publicado em "O Imparcial", Rio de Janeiro, 20 jan. 1929]
A Coelho Neto
De um lado o Atlântico e do outro lado as serras
Longas, indefinidas, perlongando-o;
E aquém das serras nos planaltos largos,
Um mundo ainda ignoto! Os rios longos
Recortam-na profusos, ora calmos,
Volvendo a correnteza imperceptível,
Ora cheios, rolando no...
O soberbo estridor das cachoeiras...
As grandes matas verde-negras vastas
... de frutos e de flores
Desafiam do azual as pompas todas.
Que terra encantadora... Mas enquanto
O meu olhar se desatava livre
No desafogo dos espaços amplos
O ridículo mortal tolhia o passo
E imóvel sobre o cerro em que jazíamos
Abarcava num gesto o espaço todo:
Conforme vês 'a terra é longa e grossa'
E atestam na pujança com que surgem
A riqueza de um solo incomparável
Em que o cultivador sem mais resguardos
Com algumas foiçadas e um bocejo
Garante o pão à prole e pode dar-se
Ao culto sacrossanto da Preguiça.
E nada o preocupa: a fauna é frágil,
Traiçoeira e cobarde; não há tigres,
Régios tigres listrados; nem leões,
Nada das formas colossais e rudes
Feitas para guardarem, consorciadas,
A feridade e a força... Tudo médio
Tudo uma redução do que há alhures
O elefante é tapir tardo e medroso
O tigre de Bengala é a suçuarana
Cobarde e fugitiva; o orango bruto
É o sagüi famíneo e pulha; e a capivara
O hipopótamo esquivo das lagoas...
E tudo é médio... a natureza toda
Numa mediania inalterável...
As mesmas forças naturais que além
Rompem em cataclismas formidáveis
Criando a Geologia traço estranho
De um drama esquiliano, aqui, é calma.
Não há vulcões e os mesmos terremotos
Que subvertem cidades noutras zonas
Amortecem-se inúteis, embatendo
Na massa de granito desta terra...
As montanhas _ bem vês _ não têm altura
As maiores são serros noutras partes
Achatam-se alongando-se, alongando-se
Se o arrojo de um píncaro que enteste
Com o menor dos píncaros nos Alpes...
Nas florestas enormes não procures
O cedro colossal ou o carvalho
Ou o plátano altivo que alevanta
Às nuvens uma vida de mil anos,
Não lhe permite o surto, o afago, atroz
Terrível das lianas, das aráceas,
Que os apertam, ... e derrubam
De sorte que as florestas como os rios
Como a montanha, como a terra toda,
São grandes só por um estiramento!... Disse e eu vi pela primeira vez
O clarão ideal de uma ironia
Dando-lhe ao rosto hílar um tom mais sério.
E prosseguiu:
Aqui, o grande é o chato!
Tudo num plano horizontal é enorme
Tudo num plano vertical é mínimo
A pedra, o vegetal, e o... e o homem...
E repentinamente aquele rosto
Onde um ricto sardônico pusera
A lonha ideal desse sarcasmo ríspido
Que é a mágoa triunfante dos eleitos
Pois é a alegria trágica dos fortes,
Aquele rosto desmanchou-se todo
No desmandibulado destempero
De uma risada à-toa.
Mal a ouvi
Prendeu-me o olhar um quadro nunca visto:
Numa clareira, em frente, repontavam
Uns homens singulares... que vestidos!
Nem clâmides, nem togas, nem
Consorciando a candura dos arminhos
Com o varonil das púrpuras brilhantes.
Pretos. De preto todos no afogado
Das vestes ajustadas pelos membros...
Vinham calmos; nem gestos sacudidos
Nem vozes imperiosas... Passos lentos.
[1896 ]
♦♦♦
PÁGINA VAZIA
Quem volta da região assustadora
De onde eu venho, revendo, inda na mente,
Muitas cenas do drama comovente
De guerra despiedada e aterradora.
Certo não pode ter uma sonora
Estrofe ou canto ou ditirambo ardente
Que possa figurar dignamente
Em vosso álbum gentil, minha senhora.
E quando, com fidalga gentileza
Cedestes-me esta página, a nobreza
De nossa alma iludiu-vos, não previstes
Que quem mais tarde, nesta folha lesse
Perguntaria: "Que autor é esse
De uns versos tão mal feitos e tão tristes?"
[1897
♦♦♦