quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Análise

Análise

(Luis Royo)


Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me e ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

(12/1911 - Pessoa)


quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Donzela de Preto

(Pintura a óleo sobre madeira - Audrey Kawasaki)

Quem é você que resurge das sombras
Com essa roupa preta você pensa que me engana
Com rosto de porcelana escondendo algum drama
Se escondendo na escuridão, eu vou te achar
E te aprisionar dentro do meu coração

Donzela de Preto sempre chamando a atenção
Com esse jeito doido você não me engana não
Eu queria te conquistar, mas passei despercebido
Você me ignora como um verme iludido

Você me encantou com seu jeito engraçado
E fica se divertindo enquanto eu fico amargurado
Você me encantou e me deixou na lama
Não sei o que eu faço, se desisto ou se me mato

Quem é você?...

Eu vou te ganhar mesmo que seja na lábia
Donzela de preto diz que me ama
Estou cansado de sofrer deitado aqui na cama
Donzela de Preto diz que ama
Estou cansado de sofrer feito um verme
Ardendo em chamas

(The Crow)

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Meu Niver




"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive."

(14/02/1933 - Pessoa)
"O único mistério do Universo é o mais e não o menos.
Percebemos demais as cousas - eis o erro, a dúvida.
O que existe transcende para mim o que julgo que existe.
A realidade é apenas real e não pensada."

(1/10/1917 - Pessoa)

***

"Ninguém a outro ama, senão que ama
O que de si há nele, ou suposto.
Nada te pese que não te amem. Sentem-se
Que és, e és estrangeiro.
Cura de ser quem és, amam-te ou nunca
Firme contigo, sofrerás avaro
de pernas."

(10/08/1932 - Pessoa)

domingo, fevereiro 07, 2010

Falar de amor

(Eros e Thanatos)




Falar de amor


Falar de amor
é traduzir o silêncio
que o ar sombrio
de um rosto traz.

É gritar o desespero
de um coração dilacerado,
então, mutilado por
aquelas antigas palavras
que pareciam belas e inocentes.

Amor é morte. Morte é amor.

Falar de amor
é transparecer um olhar ofuscado.
e tornar notável o nome belo
por quem o íntimo anceia.
É mostrar as marcas
de quem protegeu um sentimento.

Falar de amor
é entender o delito de um Prisioneiro
sendo seu guardião. É mais.
É oferecer braços para o acolher
e ombros para o acalmar.
é gritar com ele o desespero.

Falar de amor
É fazer valer com grande testemunho
cada pedacinho do coração destruido
de um Prisioneiro condenado a amar.
É mostrar aos que se dizem ousados
que morte é uma só.
Quem ama morre.

Falar de amor
é expressar a grande dor
vivida só por quem ama,
vivida só por quem morre,
através de palavras agradecidas
e que sentem o mesmo.

Falar de amor
é conciliar desespero e sentimentos
e armonizá-los numa só melodia,
como Sentimento de Desespero
Numa música de morte.

Falar de amor
é morrer com quem morre,
viver com quem vive,
sofrer com quem sofre.

Falar de amor
é verlar a morte de um Prisioneiro
condenado ao amor pelo desespero
e entender seu olhar vazio.
É mostrar que ousado é quem,
como ele, falece em dor.

Morte é amor. O amor é a morte.

Tédio


Tédio

Sobre minh'alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, último outono,
Lançar-me as folhas últimas ao vento!

Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, lúgubre, vazia
Como uma catedral abandonada!...

(Bilac)

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

no mar


neste momento
quero pensar
num imenso mar
de sensações
que me provoquem visões
pelo muito te amar.

mar em fúria
se abrindo em tempestades
e furores de verdade
a agitar o meu ar.

ofegante, as ondas se cortam
e um céu de negritude extensa
as tocam em pedidos eternos
de amor, de amar.

a beijar esse céu as ondas se enlaçam
num mar de explosões
sufocando-me
sugando-me o ar.

essas águas me enchem
completam-me e entornam
banham-me e afogam-me
levam-me ao fundo do mar.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Vamos Fazer um Filme


Vamos Fazer um Filme
Legião Urbana
Composição: Renato Russo

Achei um 3x4 teu e não quis acreditar
Que tinha sido há tanto tempo atrás
Um bom exemplo de bondade e respeito
Do que o verdadeiro amor é capaz
A minha escola não tem personagem
A minha escola tem gente de verdade
Alguém falou do fim-do-mundo,
O fim-do-mundo já passou
Vamos começar de novo:
Um por todos, todos por um

O sistema é mau, mas minha turma é legal
Viver é foda, morrer é difícil
Te ver é uma necessidade
Vamos fazer um filme

O sistema é mau, mas minha turma é legal
Viver é foda, morrer é difícil
Te ver é uma necessidade
Vamos fazer um filme
E hoje em dia, como é que se diz: "Eu te amo."?
E hoje em dia, como é que se diz: "Eu te amo."?

Sem essa de que: "Estou sozinho."
Somos muito mais que isso
Somos pingüim, somos golfinho
Homem, sereia e beija-flor
Leão, leoa e leão-marinho
Eu preciso e quero ter carinho, liberdade e respeito
Chega de opressão:
Quero viver a minha vida em paz
Quero um milhão de amigos
Quero irmãos e irmãs
Deve de ser cisma minha
Mas a única maneira ainda
De imaginar a minha vida
É vê-la como um musical dos anos trinta
E no meio de uma depressão
Te ver e ter beleza e fantasia.

E hoje em dia, como é que se diz: "Eu te amo."?
E hoje em dia, como é que se diz: "Eu te amo."?
E hoje em dia, como é que se diz: "Eu te amo."?
E hoje em dia, vamos Fazer um filme
Eu te amo
Eu te amo
Eu te amo

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Os ombros suportam o mundo


Os Ombros Suportam o Mundo

Carlos Drummond de Andrade


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


Os versos acima foram publicados originalmente no livro "
Sentimento do Mundo", Irmãos Pongetti - Rio de Janeiro, 1940. Foram extraídos do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1985, pág. 78.

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